Frontalidade


Vivo no paraíso…
SEM cor-de-rosa ou nuvens, sem facilidades e surpresas. Porque, neste mundo, já nada me surpreende! No entanto, ainda tudo me magoa. Dói-me ver que todo este mundo não passa do inferno e da correria do dia-a-dia; inferno que consome todo o nosso corpo e suga toda a nossa alma. E eu… sou apenas mais uma, que passa por todo este desespero e me sento apenas nos bancos da plateia, indignando-me com aquilo que vejo, mas ainda capaz de vaiar todo este espectáculo cheio de hipocrisia, falsidade, guerra e destruição. Não faz parte do meu entendimento ser possível que andemos todos a remar uns para cada lado e todos contra a maré! Mas, nos últimos espectáculos desta vida prepotente, tenho percebido ao ponto a que estas almas penadas chegam a ser tão hipócritas, falsas e simplesmente comodistas! Nos últimos espectáculos tenho assistido atenta a tudo o que se passa dentro do teatro, não porque queira saber a vida dos outros, mas para ver que maldade pára por todo este mundo. Atenta a todos os acontecimentos, vejo e revejo uma visão minha, de outrora. No entanto, determinadamente, destinei, para a minha vida, ser fiel aos meus princípios, sem deixar que a opinião dos outros e o seu preconceito dêem cabo de tudo o que sinto. Decidi não mais fazer parte da hipocrisia e falsidade de espécie alguma – continuo fazendo parte da plateia, assistindo aos dramas e comédias, mas declarei que figuraria toda e qualquer opinião minha, mesmo que isso implicasse aplaudir quando toda a gente ficasse sentada aborrecida e desiludida com a peça; mesmo que isso implicasse ficar sentada quando toda a gente aplaudisse de pé; decidi que o pretérito imperfeito não continuaria a vigorar nas minhas atitudes, pois nunca mais deixaria que todas as acções ficassem inacabadas ou fossem contrariamente àquilo que sentia; incumbi à minha existência o poder de decidir o mais ínfimo pormenor: aceitar ou rejeitar qualquer que fosse o obstáculo que encontrasse na peça; pronunciei, berrando, ao meu ego, que não mais aceitaria aquilo que me faz odiar qualquer existência ou determinar compatível qualquer substância que me fazia amar qualquer fragrância. E, porque eu dei à minha humanidade o perfume mais adequado para que possa fazer sentido, ainda, fazer parte deste planeta, anunciei e declamei aos espíritos que renunciaria a qualquer pecado e lutaria firmemente pelos meus princípios lógicos. E, absolutamente por isto, aprendi que o mundo funciona todo da mesma forma: acomodando-se às expectativas dos outros, mesmo que isso vá contra o seu pensamento – porque não são capazes de dizer “NÃO” quando algo os afronta e “SIM” quando algo os confronta.
O ser humano parece só existir se puder amar em frente dos outros e odiar nas suas costas. Assim vivemos nós inundados pelas marés do cinismo, sem querer saber se mais tarde nos arrependemos ou não. O que importa é que o nosso umbigo esteja e seja rico; que tenhamos boa imagem aos olhos dos outros; que sejamos a alma mais perfeita do planeta. Porque os outros são sempre lixo; são sempre os mesmos animais do prado; são sempre a tristeza da nossa excrescência. Porque os outros têm sempre a culpa dos nossos defeitos e nós sempre a glória dos nossos triunfos.
Fundei, para mim, a casa de correcção que merecia para me castigar, para aprender que não, eu não posso ser aquilo que não quero e não posso pactuar com aquilo que critico. Aprendi que criticar implica gritar, mesmo que isso seja mau para mim, mas pelo menos vivo na verdadeira realidade e não na dissimulação das fantasias. Penetrei, na consciência, a facilidade com que posso procriar o mundo aos meus olhos sem que tenha de ir contra mim mesma ou passar por cima da cabeça dos outros, não me importando se os vou esmagar ao ponto da sua face, dos seus órgãos e sentidos pronunciarem o final da sua condição de existência.
Tentei unir forças para alcançar o tamanho que o mundo deveria ter, todas as minhas tentativas foram falhadas, simples fracassos que me fazem soltar as mais singelas lágrimas. Tentei que a bola brilhante fosse diamante em bruto, novamente, mas todas essas tentativas explodiram com a pouca jóia que ainda restava. Tentei que aquilo que me fazia ser rica me enriquecesse, outra vez, mas a cada tentativa ficava mais pobre ainda. Tentei que o que sentia fosse um discurso de Mahatma Gandhi ou de Nelson Mandela, mas eu só consegui que o meu sentimento fosse apenas mais um discurso de José Sócrates em tempo de crise. Tentei digitalizar todos os meus sonhos numa maquineta simplória onde ninguém os pudesse alterar ou sequer retirar-me, mas toda a minha tecnologia me castigou e todos os ficheiros desapareceram. Tentei mudar tudo e pintar o céu da cor das estrelas, mas todas as estrelas foram roubadas e o céu ficou carregado com as mais cinzentas nuvens.
Há coisas que são alcançadas antes do fim do mundo e se agir com inteligência o mundo pode nunca acabar. Eu acabei com as crateras do meu universo e declarei, convictamente que os meteoros da falsidade, os meteoritos da hipocrisia e as bombas nucleares da mentira se desviariam para outro planeta do sistema solar, onde não ferissem espécie predominante.
Chego ao fim de mais um pensamento público e chego ao fim de mais declarações que não passam do papel. Porque preciso de desperdiçar o meu tempo para coisas úteis como passar de discursos a acções e deixar de ser uma política em tempo de crise. Estou de partida para aquilo que faz falta e chego ao fim de uma viagem com bagagem pesada, garantindo que abandonarei esta mochila vazia de gestos e penosa de afirmações e papéis que não passam disso mesmo...
Parti.